«Então quando é que conhecemos o Marcelo?»
«Ele anda muito ocupado...»
«Mas que ocupação é essa que lhe leva Natais, Páscoas...»
Desta vez rezava que já todos se tivessem convencido de que jamais conheceriam Marcelo. Porque ele não é homem de relacionamento fixo, e muito menos homem de casar, juntar, ter filhos, conhecer mãe, pai, avô, avó... Como ele próprio dizia, não pertence a ninguém. E nunca pertencerá. E foi por este Marcelo de ninguém que Clara, filha da serra imigrada em Lisboa, se apaixonara. E embora soubesse bem o homem com quem se relacionava, residia em si a secreta esperança que os anos viessem a mudar-lhe a maneira intransigente de ver a vida... a primeira pequena vitória era dela: já viviam juntos no mesmo espaço.
Ainda assim Clara sabia que ele jamais lhe pertenceria. Nem o corpo e muito menos a alma. Ela não se sentia triste com isso, apenas já se tinha sentido menos incomodada. Já a fartavam as perguntas da família e sinceramente questionava-se se seria uma relação assim que queria. Sendo uma relação livre, não o era, pois guardava-lhe fidelidade e ele a ela. Eram, por assim dizer, exclusivos um ao outro mas com uma pequena cláusula de rescisão em que qualquer um deles podia saltar fora do barco sem mais nem porquê.
Chegou e com ela chegaram as inevitáveis perguntas. Esquivou-se como de costume, esteve com a família, comeu e bebeu até que a porta se abriu. Era o primo Zé, companheiro de brincadeiras de infância, objecto de oculto desejo de adolescência. Não o sabia por Portugal. Da última vez que dele tinha tido notícias havia ido trabalhar para a Arábia Saudita, no ramo da electricidade.
Entre beijinhos e abraços a toda a família, foi comendo-o com os olhos... estava mais velho, mais maduro e mais apetitoso... e foi descendo o olhar até bater naquele brilho horrível. Aquela aliança no dedo, aquele balde de água fria pela cabeça abaixo.
«Então e tu, já casaste?»
«Não... quer dizer... estou junta.»
«E onde está o sortudo?»
A pergunta foi feita com um olhar e tom de voz que não condiziam bem com o teor da mesma. Esquivou-se, como já era hábito, alegou dor de cabeça e recolheu-se ao quarto. Não aguentou as quatro paredes, trepou a janela e fugiu. Subiu a serra até chegar ao velho casebre da quinta do Ti Chico, o casebre que tinha albergado tantas brincadeiras de infância...
Magoava-a sabê-lo de alguém. Quando ela sempre o tinha tido como dela. Zé não era de mais ninguém... senão dela. As lágrimas teimosas correram-lhe pelas faces. Clara puxou do clandestino cigarro, precisava fumar... Procurou lume em todo o lado, mas...
«Merda! Não trouxe isqueiro...»
«Precisas de alguma coisa?»
Na escuridão só lhe via a silhueta e o fumo saindo pelos lábios. Era ele, a voz dele, perpassando-lhe cada poro de pele.
«Lume... dá-me lume.»
Acendeu-lhe o cigarro. Acendeu um para ele. E não mais falaram. Fumaram e abraçaram-se.
Clara olhou-o no fundo dos olhos. E disse
«Tenho frio... Dá-me lume...»
E as mãos dele viraram fogo.
Continua...
Até lá... Boa Páscoa com boas viagens...
19 comentários:
Bem, então cá fico a aguardar a continuação...
bjs
...e o coelhinho das amêndoas foi com o Pai Natal no comboio ao circo....
e a imaginação não tem limites!
Tem??
Vejamos.....
Fenomenal, adorei o texto, simples, real ou nao, não sei mas repleto de sentimento. parabens
E o desejo guardado fundo reacendeu os sentidos...que se queriam adormecidos...
Boa Páscoa!
Muito bom!!! A música... Porque de resto, deixa que te diga... Vá lá vai...
Mas há quem se dê muito bem nesse tipo de relações.
;)
Charmoso: brevemente, no blog do costume... ;)
Lazy Cat: cheguei agora de umas deliciosas mini-férias, já não cheguei a tempo para apanhar o comboio da imaginação... quem sabe para a próxima? Um grande beijinho viajante!
Blue Dreams: Obrigada, é muita gentileza... Obrigada também pela visita, volta sempre para mais viagens... Beijinho viajante!
Alma Nova: queriam-se adormecidos... e quem diz que acordaram?!? Hmmm... aguarda a continuação! Beijo viajante!
MH: esta história não é sobre nenhuma relação fora de vulgar... e também não é o que parece! Obrigada pela visita! Um beijo viajante!
E não é q voltei...
Histórias são histórias, e não dou lume a ninguém :P Ahahahah!
Se é que me entendes ;)
MH: olha, nem eu... mas gosto que me dêem lume. Gosto muito! Espero que voltes para saber do resto da história! Entendo-te pois... Histórias são histórias, realidade é outra coisa.
Que maldade, deixar-me assim agora ansiosa para ler o resto...:p
Beijo especial e bem grande só para ti!!
;)
Excelente post.
Cheguei aqui por intermédio de outros blogues que costumo ler e vou voltar para conhecer o fim...
bj
Muito bom! Deixaste-me com aquela curiosidadezinha para saber o desenvolvimento. Vou ficar a aguardar...
Lê-se como o degustar de um bom tinto do Douro.
"Tenho frio..´.Dá-me lume..." é a frase mais poderosa no contexto. Fico a pairar na poesia! Nem preciso de continuação!
beijinhos e obrigada pelas amáveis palavras no Excitações.
e ele deu-te calor:)
promete a coisa... de lumes e mãos !!
Grande viagem pelos caminhos da palavra!
:-)
Nikita: se tudo correr bem, amanhã matas a curiosidade... beijo grande, enorme!!!
Maria Manuela: obrigada pela visita e volta... para ler o resto e para viajares por aqui, sempre que quiseres, quando quiseres! Beijo viajante!
Carpe Vitam: brevemente... assim que me permita o tempo! Obrigada pela visita ;)
Maria Mercedes: e eu é que sou gentil? Obrigada... corei de satisfação! Beijo grande!
Noivo: quem sabe... ficas pra saber? beijo!
Redjan: que não me falte o engenho para que fogo e mãos se saibam movimentar... Beijo viajante...
Paradoxo: bem vindo às minhas viagens... obrigada pela gentileza! Espero-te por aqui mais vezes! ;)
Convido-te a apareceres e a participares no blog do Shiuuuu...
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