terça-feira, 8 de abril de 2014

Para ti, Nikita


"I know I don't know you
But I want you so bad
Everyone has a secret
But can they keep it?
Oh no they can't..."

Obrigada... por tudo.
A blogoesfera, para mim, não faz sentido sem ti aí desse lado. Gosto mesmo muito de ti, mesmo sem te conhecer pessoalmente. Gosto de ti, confio em ti. E quero que saibas que tens sido importante nesta fase nublada da minha vida. Muito do que aqui escrevo é pura ficção... mas há uma realidade que lhe é subjacente, desejos, memórias, todo um mundo que, imaginário ou não, faz de mim a mulher que sou. É reconfortante saber que há alguém desse lado que me entende e que, principalmente, não me julga.

Deixo-te esta canção que adoro (e que faz tanto sentido...) e, quem sabe?, não poderás usá-la como banda sonora do reencontro? É bem sugestiva... ;)

Um beijo viajante para ti.
Volto breve às tantas palavras que ainda tenho para partilhar contigo e com quem aqui parar nas suas viagens pela blogoesfera.

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Confessionário #1



A minha escrita neste espaço é tão errática, espaçada e confusa como a minha alma.
Tanto que eu pensei neste texto. Tantas vezes foi começado e apagado. Pensado à vírgula na minha mente e esquecido assim que os meus olhos batem no cursor que pisca, pisca... à espera que me decida.

Sou uma mulher dividida. Quase como que uma mulher dia e uma mulher noite.
A mulher dia é sobejamente conhecida de todos: vivaça, alegre, teimosa. Sentimental. Possessiva. Mãe, esposa, filha, irmã, amiga. Trabalhadora. Corpo XL, alta, morena e relativamente bem comigo própria no que respeita às minhas formas.

Amo o meu homem. Quem nos conhece sabe que somos felizes. Sabe que ele move mundos e fundos para me fazer feliz. Amo o seu olhar apaixonado. Amo a sua capacidade de me amar sem me conhecer o lado negro. A mulher noite.

A mulher noite que sou... essa é desconhecida de (quase) todos. Viveria bem com a "minha noite", sossegada num canto do meu ser, se volta e meia não me viesse atormentar. A minha noite é fogo que me queima por dentro. É ela que me impede de ser plenamente feliz porque nunca estou satisfeita com o que tenho. Porque eu sei que sou feliz... amenamente feliz. Mas a minha noite exige fogo. Paixão. Loucura. Vertigem. Aventura.

O meu corpo desconhece o poder destas palavras há muitos anos. Tenho vivido desprovida de loucura e paixão como um caminheiro que atravessa o deserto. O meu homem, que move mundos e fundos para me fazer feliz, não consegue alimentar a minha noite. Não satisfaz a minha necessidade de paixão, de loucura, de aventura. E é isso que me dói e me mata e me divide. Revolta-me contra mim mesma. Mas esta é a dura verdade - aquela que me tenho recusado verbalizar - amo-o sem paixão. Sou uma cabra.

E vou vivendo, empurrando a minha noite para o fundo de mim. Vai-se alimentando das memórias da paixão já vivida e da expectativa de um reencontro proibido e marcado sem hora nem lugar.

Sou uma mulher dividida, viajando entre o dia e a noite. Secretamente.
Sou, no fundo, uma mulher que se envenena de desejo do que já teve. Que se envenena de memórias.
Olho-me ao espelho... e não me reconheço.

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Voltei...


"Por vezes a tua cara torna-se nítida e insuportável. Outras vezes, esbate-se e com o esbatimento vem-me a resignação de te ter perdido. Às vezes, esqueço-te. Ou ficas escondido numa casa, num quadro, numa árvore, de onde ressurgirás. Um dia olharei o quadro, a casa, a árvore, e lembrar-me-ei de ti. Mas cada vez haverá menos sítios onde te esconderes.
A tua face vem e atira-me sempre para o mesmo tempo, é uma face que o ódio esquece, anterior à deserção, a face de quem encontrou a primeira palavra, é essa que me olha nos sítios mais vulgares. Não te procuro: de repente, estás ali.
Como uma arma. O límpido assassino."

Rui Nunes
in Ouve-se sempre a distância numa voz

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Magia...

...parece que é magia, quando outro escreve algo que me diz tanto. Que me diz tudo. 

"Comecei a amar-te no dia em que te abandonei.
Foram as palavras dele quando, dez anos depois, a encontrou por mero acaso no café. Ela sorriu, disse-lhe “olá, amo-te” mas os lábios só disseram “olá, está tudo bem?”. Ficaram horas a conversar, até que ele, nestas coisas era sempre ele a perder a vergonha por mais vergonha que tivesse naquilo que tinha feito (como é que fui deixar-te? como fui tão imbecil ao ponto de não perceber que estava em ti tudo o que queria?), lhe disse com toda a naturalidade do mundo que queria levá-la para a cama. Ela primeiro pensou em esbofeteá-lo e depois amá-lo a tarde toda e a noite toda, de seguida pensou em fugir dali e depois amá-lo a tarde toda e a noite toda, e finalmente resolveu não dizer nada e, lentamente, a esconder as lágrimas por dentro dos olhos, abandonou-o da mesma maneira que ele a abandonara uma década antes. Não era uma vingança nem sequer um castigo – apenas percebeu que estava tão perdida dentro do que sentia que tinha de ir para longe dali para ir para dentro de si. Pensou que provavelmente foi isso o que lhe aconteceu naquele dia longínquo em que a deixara, sozinha e esparramada de dor, no chão, para nunca mais voltar.

De tudo o que amo és tu o que mais me apaixona.
Foram as palavras dela, poucos minutos depois, quando ele, teimoso, a seguiu até ao fundo da rua em hora de ponta. Estavam frente a frente, toda a gente a passar sem perceber que ali se decidia o futuro do mundo. Ele disse: “casei-me com outra para te poder amar em paz”. Ela disse: “casei-me com outro para que houvesse um ruído que te calasse em mim”. Na verdade nem um nem outro disseram nada disso porque nem um nem outro eram poetas. Mas o que as palavras de um (“amo-te como um louco”) e as palavras de outro (“amo-te como uma louca”) disseram foi isso mesmo. A rua parou, então, diante do abraço deles."

De tudo o que amo és tu o que mais me apaixona.Foram as palavras dela, poucos minutos depois, quando ele, teimoso, a seguiu até ao fundo da rua em hora de ponta. Estavam frente a frente, toda a gente a passar sem perceber que ali se decidia o futuro do mundo. Ele disse: “casei-me com outra para te poder amar em paz”. Ela disse: “casei-me com outro para que houvesse um ruído que te calasse em mim”. Na verdade nem um nem outro disseram nada disso porque nem um nem outro eram poetas. Mas o que as palavras de um (“amo-te como um louco”) e as palavras de outro (“amo-te como uma louca”) disseram foi isso mesmo. A rua parou, então, diante do abraço deles."

Pedro Chagas Freitas

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Sinfonia #2



Silêncio.

Calma, após uma sinfonia desgovernada de corpos e suor e tudo.

Silêncio apenas quebrado por duas respirações alteradas à procura de se encontrarem.

Foi o primeiro andamento.

Olho-te... meu maestro desgrenhado de mãos experientes. Pergunto-me em silêncio como aprendeste tu as diferentes tonalidades do meu corpo, tão habilmente, tão rapidamente.
Como podes ser tu o único a conseguir tocar-me assim. Tu, que tens tanto de certo, como de errado.

Observo-te todo. Esse corpo grande, coberto de pequenas gotas de suor. Apetece-me aninhar-me nos teus braços fortes, agora caídos sem ordem sobre a cama. Afasto o pensamento e retorno à minha contemplação. Cabelos desgovernados e escuros. Lábios carnudos. Barba rala. Tronco imenso. Sexo... recolhido, mas eu bem sei que agora só me está a enganar...

Tens os olhos fechados e eu continuo a olhar-te, como se nunca mais te pudesse ver.
De súbito, abres os olhos e os nossos olhares cruzam-se.

Um olhar incendiário, poderoso e profundo. De repente, sinto-me consumida em chamas - e tu ainda não me estás a tocar.

"Agarra-me. Anda, não demores."

Lês-me o pensamento. Sorris... e ignoras-me.

"Segundo andamento: lento..."

Agora vais fazer-me sofrer.

Aproximas-te de mim, qual felino em direcção à presa.

Beijas-me profundamente e o meu coração pára. Contra a minha vontade, a tua boca abandona a minha e viaja para sul - de-va-gar.

A tua boca nos meus seios. A tua língua nos meus mamilos. Os teus dentes.
Eu a enlouquecer.

De-va-gar.

O meu ventre, milimetricamente percorrido pela tua saliva.
O meu sexo, (muito) quente, (muito) húmido, pronto a receber-te.

Percebo agora: não usarás a batuta. Comandas a sinfonia apenas com a boca... e com o olhar.

Abocanhas-me, de súbito, e eu grito.
Língua, saliva, dentes, tu. Ai!
Tiras a boca, sopras... e olhas-me.
É devastador. Quase me vim apenas com a força desse olhar.

Largas-me louca na cama. Ficas a olhar-me... e eu...

(continua)

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Sinfonia #1




Toca-me.
Serás músico e eu instrumento.
Serás maestro e eu sinfonia.

Toca-me.
Faz-me gritar em vários tons de êxtase:
tu...
...perto de mim
...sem me tocar
...na eminência de o fazer

eu...
...expectante
...excitada
...doida
...a sentir apenas o bafo quente da tua respiração

Toca-me.
Apenas com o ar que respiras. Depois...
...lábios leves.
...lábios fortes.
...língua.
...dentes.

Morde-me.

Toca-me.
Com as tuas mãos. Primeiro...
...dedos.
...mãos cheias de seios e carne e ventre e carne.
...unhas.

Arranha-me.
Marca-me - sou tua.
Toca-me.

Dedilha o meu corpo como se fosse piano ou violino ou guitarra.
Arranca de mim as notas mais sublimes de prazer - gemerei com a destreza das tuas mãos experientes, cantarei em êxtase quando chegares ao âmago de mim.

Toca-me - tu sabes fazê-lo.

Agora tu em cima de mim.
Dentro de mim.
Faz um solo em mim.
Receber-te-ei no meu interior quente e molhado, e soarão acordes nunca ouvidos
...sublimes
...ardentes
...lentos
...rápidos.

Sim. Com força. Agora... não pares...
Cantarei contigo.
Continua a tocar.

Pára... devagar agora.
Enlouqueço.
Pára. Recomeça.
Oh...
estou-me
a
vir...

Silêncio.

(continua...)

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

"Não sei se te quero mais do que te odeio" #1

(ao som de Glory Box, Portishead)

Anabela Moreira, in E Deus criou a Mulher
Um dia ganharia coragem para o expulsar da sua vida. O pouco que restava dele. Que era tanto. E quase nada.
Ele sabia tudo de si. Onde vivia e com quem, onde trabalhava, qual o seu estilo de vida. O seu número de telemóvel. Decor.
Dele, ela nada sabia para além do seu número (registado numa velha folha amachucada, escondida no fundo da carteira), sem estar certa de que se mantinha o mesmo. Que tinha um filho. Que se separara da mulher. Que trabalhava para uma empresa, sem saber especificamente em quê e onde.
Sabia da música que gostava de ouvir.
Sabia como era filho da puta. (e gostava)
Sabia como se excitava quando ele lhe enviava uma mensagem através da rede social.
Sabia como era bom quando passavam horas a espicaçar-se online.
Sabia como ele era um grande, grande filho da puta. (e adorava)
Sabia como se sentia angustiada quando o sabia perdido.
Como se sentia impotente.
Como se sentia irritada quando ele prometia que lhe ligava no dia seguinte - e não o fazia.
(filho da puta)
Como se sentia irritada quando o via online e ele não se metia com ela.
(cabrão)
Como se sentia confusa porque não sabia nada dele. Desse filho da puta. Que adorava.

Porque sabia que só ele a conhecia como mais ninguém.
Porque mais ninguém conseguiu chegar tão profundamente ao seu íntimo.
Porque nunca mais ninguém a tinha fodido tão bem.
(ele era tão quente. chegava tão fundo. sabia tão bem.)
Porque nunca ninguém a tinha amado como ele a amou - tão perto e tão longe do amor convencional.
Porque queria aquele filho da puta de volta na sua vida. Mesmo que virtualmente.

Um dia, ganharia coragem para o expulsar da sua vida.
Rasgaria o papel amachucado.
Apagaria-o dos seus contactos online.
Cortaria o fino fio da sua existência.
Aquele (ainda) não era o dia.