Anabela Moreira, in E Deus criou a Mulher |
Ele sabia tudo de si. Onde vivia e com quem, onde trabalhava, qual o seu estilo de vida. O seu número de telemóvel. Decor.
Dele, ela nada sabia para além do seu número (registado numa velha folha amachucada, escondida no fundo da carteira), sem estar certa de que se mantinha o mesmo. Que tinha um filho. Que se separara da mulher. Que trabalhava para uma empresa, sem saber especificamente em quê e onde.
Sabia da música que gostava de ouvir.
Sabia como era filho da puta. (e gostava)
Sabia como se excitava quando ele lhe enviava uma mensagem através da rede social.
Sabia como era bom quando passavam horas a espicaçar-se online.
Sabia como ele era um grande, grande filho da puta. (e adorava)
Sabia como se sentia angustiada quando o sabia perdido.
Como se sentia impotente.
Como se sentia irritada quando ele prometia que lhe ligava no dia seguinte - e não o fazia.
(filho da puta)
Como se sentia irritada quando o via online e ele não se metia com ela.
(cabrão)
Como se sentia confusa porque não sabia nada dele. Desse filho da puta. Que adorava.
Porque sabia que só ele a conhecia como mais ninguém.
Porque mais ninguém conseguiu chegar tão profundamente ao seu íntimo.
Porque nunca mais ninguém a tinha fodido tão bem.
(ele era tão quente. chegava tão fundo. sabia tão bem.)
Porque nunca ninguém a tinha amado como ele a amou - tão perto e tão longe do amor convencional.
Porque queria aquele filho da puta de volta na sua vida. Mesmo que virtualmente.
Um dia, ganharia coragem para o expulsar da sua vida.
Rasgaria o papel amachucado.
Apagaria-o dos seus contactos online.
Cortaria o fino fio da sua existência.
Aquele (ainda) não era o dia.
2 comentários:
Hmm...
Viajante, às vezes essa pimenta faz-nos falta na vida!
Por um lado faz-nos mal...mas por outro, o seu sabor torna-se irresístivel!
O amor é vizinho do ódio...vivem tão próximo que no mesmo dia partilham o mesmo quintal!
beijo
Ártemis
Postar um comentário