Sem Rumo

O carro ia serpenteando pela estrada, ligeiro, rumo a lugar nenhum. Encostou quando as lágrimas já não lhe deixavam ver a estrada. Desligou a ignição e deu largas ao choro convulso que vinha a controlar há já muitos quilómetros. Se chorou minutos, horas, ou mesmo dias, não sabe... mas chorou tudo o que tinha na vontade. E quando voltou a abrir os olhos, olhou ao redor e nada mais viu do que o arvoredo que a cercava e, ao lado, a estrada que a tinha levado até àquele lugar.

Reclinou o banco, encostou-se e cedeu ao cansaço... adormeceu embalada pela recordação daquela noite.

Sozinha em casa, bebia um copo de vinho depois do jantar enquanto ouvia alguns dos velhos discos de vinil que vinha coleccionando de alguns anos a esta parte, quando a campainha tocou. No vídeo-porteiro viu-lhe os olhos, estremeceu. Luís. Alguém que ela nunca mais tinha pensado em ver, e muito menos ali, passados tantos anos.

Os anos tinham passado por ele e deixado algumas marcas. Estava mais gordo, com um ar mais cansado... mas a rebeldia do olhar mantinha-se, assim como o seu efeito sobre ela, que se mantinha estática à porta como que hipnotizada.

«Olá... tu, por aqui?»

«Olá... surpresa?»

«Sim, claro. Não fazia ideia que sabias a minha nova morada...»

«Como sabes, quando quero muito uma coisa, não olho a meios para consegui-la.»

E sem mais nem porquê, abraçou-a com a força do vento de Outono, beijou-a com o calor do sol de Verão. Fechou a porta atrás de si com o pé, levou-a de encontro aos sensuais acordes que tocavam no velho gira-discos da sala.

Com a cabeça em rodopio, ela decidiu parar de pensar e apenas entregar-se aos sentidos. Era ele o tal, aquele que estava para o seu corpo como uma alma gémea para o coração.

Amaram-se com a sofreguidão da primeira vez, redescobriram-se a cada beijo, saciaram a fome de cada vez que ele entrou nela. Mataram um desejo que teve tempo para criar a força que as ondas têm quando se esmagam nas rochas em dias invernosos.

E hoje o Inverno abatera-se sobre ela, ignorando a Primavera que chilreava no descampado onde tinha parado o carro. Porque como surgiu, ele partiu, deixando-a apenas com os vinis, as recordações e uma mensagem escrevinhada num papel:

«O tempo, o espaço, a vida, separou-nos. Mas, como vês, continuamos ligados. A nossa paixão mantém-se intacta, maior que a vida, maior que o amor. E por mais anos que passem, e mais vida que se acumule em nós, tu sabes que és minha e que eu sou teu. E que voltaremos a encontrar-nos. Eu sei esperar. A nossa paixão não tem rumo, mas também não tem fim.»